Derrubada irregular dá lugar ao gado e à soja. Grande parte dos produtos
é destinada à exportação para Rússia, China, EUA e União Europeia,
revela estudo
Entre 2000 e 2012, a agropecuária foi responsável por metade do
desmatamento ilegal nos países tropicais. No Brasil, até 90% da
derrubada ilegal da floresta neste período ocorreu para dar lugar ao
gado e à soja. Os números fazem parte de um estudo da organização Forest
Trends, divulgado na quinta-feira 11.
Segundo o relatório da ONG americana baseada em Washington, as
situações mais críticas foram registradas no Brasil e na Indonésia. No
Brasil, parte considerável dos produtos cultivados nessas áreas ilegais
vai para o mercado externo: até 17% da carne e 75% da soja. Os destinos
incluem Rússia, China, Índia, União Europeia e Estados Unidos.
Brasil e Indonésia são os maiores produtores do mundo de commodities
agrícolas para a exportação. O que é colhido nas terras desmatadas
ilegalmente nesses países vai parar em cosméticos, produtos domésticos,
alimentos e embalagens.
"Naturalmente, os países compradores também são responsáveis. Afinal,
eles estão importando e consumindo produtos sem prestar atenção em como
foram produzidos. Consequentemente, estão criando uma demanda. E as
companhias envolvidas no negócio estão lucrando", avalia Sam Lawson,
principal autor do estudo e consultor de instituições como o Banco
Mundial e Greenpeace. Ele calcula que esse tipo de comércio gere uma
receita de 61 bilhões de dólares, cerca de 140 bilhões de reais.
A pesquisa foi feita ao longo dos últimos três anos e reuniu dados
publicados em mais de 300 artigos científicos, informações da
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e
dados de satélite.
Ao mesmo tempo em que o estudo aponta o Brasil como líder nesse
tipo de ilegalidade, ele reconhece que o país reduziu dramaticamente o
desmatamento desde 2004. A taxa de derrubada ilegal na Amazônia caiu
mais de 70% se comparada aos índices medidos entre 1996 e 2005.
"No Brasil, as florestas também estão dentro de propriedades
privadas. E, em muitos casos, o único documento que o produtor rural tem
para justificar sua plantação é um certificado de posse da terra. Eles
não têm, necessariamente, a permissão para cortar a floresta para dar
lugar a essa plantação", diz Lawson.
Francisco Oliveira, diretor do Departamento de Políticas de Combate
ao Desmatamento na Amazônia, do Ministério de Meio Ambiente, diz que a
apropriação irregular de terras públicas, ou "grilagem", é uma das
principais causas do desmatamento ilegal. "Um grileiro nunca vai buscar
uma autorização de desmatamento", acrescenta.
O corte da mata também é feito por proprietários regulares de terra.
Mas nem todos respeitam a lei: muitos retiram a vegetação nativa para
expandir plantações sem a devida autorização, que é dada pelo governo
estadual. Para aumentar o rigor na fiscalização, o governo federal
pretende exigir que os estados repassem as autorizações de supressão de
vegetação concedidas aos proprietários.
A legislação nacional obriga as propriedades rurais privadas a manter
no mínimo 20% da vegetação natural, a chamada Reserva Legal. Por outro
lado, ainda não existem dados oficiais que mostrem quem cumpre a lei. A
esperança de separar "o joio do trigo" está no Cadastro Ambiental Rural
(CAR), introduzido com o novo Código Florestal para ajudar no processo
de regularização.
Esse cadastro tem que ser feito por todo proprietário e trará
informações georreferenciadas do imóvel, com delimitação das Áreas de
Proteção Permanente, Reserva Legal, entre outros. "A pessoa sabe que
entrou para um sistema e vai tomar os devidos cuidados para não
desrespeitar a legislação, e quer ser respeitada por isso", analisa
Oliveira.
Cinco campos de futebol de florestas tropicais são destruídos a
cada minuto para suprir a demanda por commodities agrícolas. A FAO
também vê esses números com preocupação. A organização estima que, até
2050, o mundo precisará de cerca de 60 milhões de hectares extras para
suprir a demanda por comida.
Para Keneth MacDicken, especialista em assuntos florestais da FAO,
seria possível fazer essa expansão sem agredir as florestas. "Aumentar a
produtividade, melhorar as técnicas e diminuir o desperdício são
fundamentais", diz.
Para acabar com a produção agropecuária em terras desmatadas
ilegalmente, é importante mostrar que a legalidade é rentável. "Nesse
processo, empresas como a Embrapa são muito importantes. Porque elas
ajudam os proprietários rurais a produzir de forma mais eficiente e mais
rápida", exemplifica MacDicken.
Além do aumento na fiscalização e vigilância por satélite, Oliveira,
do ministério de Meio Ambiente, aposta na parceria com produtores para
mostrar que o consumidor também está ficando mais exigente. "Os
compradores de soja no mercado internacional não estão querendo atrelar o
nome ao desmatamento ilegal na Amazônia." Essa percepção criou a
chamada "moratória da Soja", em que produtores se comprometeram a não
estender o cultivo para áreas desmatadas.
Lawson só vê uma saída: "Nada vai funcionar se os governos não
tomarem providências contra a ilegalidade". O pesquisador admite que,
hoje, o tema é mais discutido entre produtores e consumidores do que há
dez anos. No entanto, se os números do desmatamento associado à expansão
da agropecuária ainda são altos, a conclusão é que "esse combate ainda
não está sendo feito como deveria".
Fonte: Carta Capital